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 Brasil discute sono em tempos de crise. No próximo dia 18 de março, sexta-feira, o Brasil e em muitos outros países comemoram o DIA MUNDIAL DO SONO.
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Dormir bem para viver melhor
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Mirtes Helena
Editora-Adjunta

De 23 a 28 de março o Brasil viveu a Semana Nacional do Sono, com atividades que lembraram a população o que parece óbvio mas não é: uma noite bem dormida, com um sono reparador, é fundamental para a saúde e melhoria a qualidade de vida. E Belo Horizonte não ficou de fora. Sob o comando do médico Dirceu de Campos Valladares Neto, a Fundasono _ Fundação nacional do Sono - não poupou esforços para levar ao público, gratuitamente, palestras e atividades esclarecedoras sobre os distúrbios do sono, tratamentos e equipamentos capazes de ajudar a dormir melhor e, consequentemente, trabalhar melhor, dirigir veículos de forma mais responsável, viver mais e melhor. Formado em Medicina pela UFMG em 1983, Dirceu Neto fez residência em Psiquiatria e especializou-se em Transtornos do Sono em universidades americanas. Hoje é diretor geral da Clínica do Sono de BH, na Alameda do Ingá, 780, no Vale do Sereno, Nova Lima. Ronco, apinéia, sono leve e pesado e sonhos são alguns dos temas abordados por ele.

Por que é que a gente precisa dormir?

Porque fomos feitos para dormir, criados entre a luz e a escuridão. Nosso organismo desenvolveu um relógio biológico que permitiu uma economia de energia ao vivenciar essas duas condições. Houve especialização entre as funções: algumas substâncias são produzidas enquanto dormimos e outras quando estamos acordados. Quando dormimos não estamos descansando como muitos imaginam.

Fale rapidamente sobre as fases do sono e o que acontece em cada uma.

O sono se desenvolve em fases cíclicas e vivenciamos duas condições distintas comportamentais denominadas Sono REM e Sono Não REM. O sono REM (Rapid Eyes Movements ou Movimento Rápido dos Olhos) foi descoberto em 1953. Antes foi chamado de Sono Paradoxal porque a pessoa apresentava ondas cerebrais muito parecidas com as de alguém acordado. Em seguida, foi observado em crianças o movimento rápido dos olhos e verificou-se que esses movimentos estavam associados a uma condição de relaxamento muscular muito importante e, se a pessoa fosse acordada nesta fase, em 95% das vezes se lembrava dos sonhos. Por isso é também chamado Sono dos Sonhos. Com o decorrer do tempo foi-se descobrindo que o Sono Não REM é fundamental para a saúde. Ele é caracterizado por ondas cada vez mais lentas, as ondas delta, o «quitute do sono». Nessa fase são produzidas substâncias que trazem vitalidade ao organismo. Setenta a 120 minutos após o início do Sono Não REM, a pessoa passa à nova atividade, o Sono REM. Nesta fase há consolidação da memória e o organismo deleta as informações redundantes. O corpo permanece totalmente relaxado, torna-se uma pasta, facilitando a excreção, a limpeza das células e levando alimentação nova às mesmas.

É um ciclo de cada sono na noite?

Geralmente são três a seis ciclos de Sono Não REM e Sono REM. O Não REM é proeminente na primeira metade do sono enquanto o REM se torna cada vez maior na segunda metade da noite. É interessante notar que a demora na ocorrência do Sono REM é fator vital na manutenção de muitas espécies, pois durante este período o corpo se torna muito vulnerável aos predadores, pois é um sono muito profundo. A classificação dos distúrbios do sono teve impulso com o reconhecimento destas duas condições. Por exemplo: no transtorno do comportamento do Sono REM, geralmente um período de quietude comportamental, a pessoa vivencia e atua em seus sonhos podendo ocasionar ferimentos em si e em outros. Por exemplo, achar que é goleiro, ficar de pé e se jogar para defender o gol, machucando-se. Tive um paciente, veterinário, que sonhava estar cuidando de um cavalo quando apareceu um cachorro e ele começou a movimentar as pernas para afugentá-lo. Quando acordou, estava com as pernas sangrando, chutando uma porta de vidro.

E cada pessoa nasce com uma necessidade de sono? A gente já nasce dorminhoco ou insone? E hereditário?

Sim, cada um nasce com uma necessidade específica, muitas vezes compartilhada entre os familiares devido a fatores genéticos. Há famílias onde vários membros precisam de mais de dez horas de sono para se sentirem restauradas. São os «dormidores longos». Há os «dormidores curtos», que precisam de menos de seis horas de sono por noite. Mas não há vantagens em dormir demais ou de menos. Pesquisas demonstram que tanto os que dormem demais, quanto os que dormem pouco, morrem mais cedo. Embora a quantidade de sono varie de um para outro, também varia com a idade. Idosos tendem a perder um pouco a capacidade de dormir pela diminuição natural da população neuronal. O paciente com Alzheimer, em que os neurônios são mais escassos, têm mais dificuldade de manterem-se dormindo.

Fora por algum problema específico momentâneo, o que faz alguém não dormir bem? A gente pode falar em doença do sono?

Há uma combinação de fatores genéticos, ambientais, psicológicos e culturais. Somos, de forma geral, semi-analfabetos em relação ao sono. Diferentemente do que ocorre com o colesterol e os triglicérides, que já fazem parte da cultura da população, o sono ainda não é percebido como essencial para a saúde. As pessoas não aprenderam ainda como lidar com dificuldades elementares do sono e acabam usando medicamentos sem precisar. Fazem isso por desconhecer bons hábitos de sono. É comum alguém ficar se cobrando dormir ou fazendo tentativas para dormir. Geralmente, isto acarreta uma desmoralização do insone, que acaba se tornando dependente de remédios. Essa condição, denominada insônia psicofisiológica, é um dos mais de 90 transtornos de sono catalogados pela medicina, segundo a American Academy of Sleep Medicine. Há um tipo raro, a Insônia Familial Fatal, condição neurológica em que há perda de neurônios associados ao ato de dormir, que leva à morte. Há insônias de causas diversas, como o uso de medicamentos, secundária a um transtorno médico, a uma doença neurológica, ao abuso de drogas, ao alcoolismo, a dor, a dificuldades de respirar, enfim são muitos os fatores que podem levar a uma noite mal dormida. É importante destacar que os transtornos de sono são causa comum de acidentes de trabalho e de trânsito.

E tem tratamento?

Vários tratamentos, que devem sempre buscar a causa, ser específico. Daí a importância da especialidade médica...

Vamos falar especificamente do ronco, que preocupa todo mundo. Tem gente que tem até medo de morrer dormindo.

Ronco é um dos transtornos respiratórios do sono. Antes do ronco a pessoa já pode ser portadora de acordares relacionados a esforços respiratórios: aqui, ela acorda mas não ronca, e vai se sentindo gradativamente mais sonolenta de dia, pois o sono vai perdendo as características restauradoras. O ronco, vibração dos tecidos moles da garganta, pode acordar tanto o autor quanto o parceiro(a). Ronco que fragmenta o sono é aquele desprovido de continuidade. A pessoa ronca e pára, ronca e pára, o que significa que está acordando, embora não perceba. Falamos de Apnéia Obstrutiva do Sono quando a pessoa engasga no ronco e fica sem respirar por mais de dez segundos. Isso pode ocorrer centenas de vezes na noite. Muitos acordam com a sensação de que levaram uma surra. A pessoa geralmente passa o dia com o «farol baixo» e sonolência excessiva, memória e concentração pioram. Tornam-se irritadiças e com risco de acidentes profissionais e de trânsito.

E qual a maior novidade em termos de tratamento de ronco?

Há vários. É importante fazer exames, como a polissonografia, para caracterizar o quadro e sua gravidade. Muitos que se queixam de ronco também são portadoras de Apnéia. Outros têm Apnéia e não roncam. Isto ocorre em indivíduos idosos ou com abdomem distendido e grande, tipo pêra. No tratamento, é importante caracterizar bem o diagnóstico e avaliar a gravidade. Há pessoas que não roncam se dormem de lado. Assim, dormir de lado, às vezes com o auxílio de uma bolinha de tênis afixada nas costas para impedir que se vire, pode resolver o problema. Atos cirúrgicos estão hoje mais circunscritos à presença de tumorações nas vias aéreas, que comprometem a passagem de ar e ocasionam o ronco ou Apnéias. Os aparelhos intra-orais colocados na boca e que tracionam a mandíbula para frente, podem auxiliar em roncos e Apnéias de intensidade leve. O CPAP nasal (Continuous Positive Airway Pressure, ou Pressão Aérea Positiva Continuada), equipamento que empurra ar sob pressão através das narinas, é o tratamento para a maioria dos casos e o mais bem estudado. É o padrão ouro para o tratamento das Apnéias. Os equipamentos estão se tornando cada vez menores, facilitando a vida dos usuários. Há vasta gama de equipamentos. Não se deve adquirir um sem antes fazer um «test drive» para escolher o mais adequado.

E os sonhos? Qual a explicação mais moderna para este fenômeno?

Assim como uma central de controle de relés, durante os sonhos, muitos relés ficam ligados e muitos desligados. O equilíbrio entre os neurotransmissores fica alterado, com predominância, durante o Sono REM, de agentes dopaminérgicos, tipo de neurotransmissor, e de seus metabólitos, o que dá ao sono uma sensação lisérgica, embora sem perdermos a consciência de tratar-se de sonho. O sonho não é uma entidade estanque e muitas vezes observamos sua relação com nosso dia-a-dia. É possível interferir nos sonhos. Podemos nos tratar de pesadelos, muitos deles recorrentes, através de orientações mentais e de dessensibilização. Podemos solicitar às nossas mentes melhores soluções para os nossos problemas. É interessante notar que o cérebro, quando saudável, adora resolver problemas.

Existe sono leve e sono pesado?

Há pessoas que se dizem acordadas por qualquer coisinha. Na maioria das vezes, não são as coisinhas que as acordam, mas por sofrer um transtorno do sono, têm o sono fragmentado, ocasionando múltiplos microacordares. Se um cachorro late, como a pessoa estava já acordada e um pouco desperta, julga que foi o cachorro que a acordou. Na verdade, existe é sono de boa e de má qualidade.

Como é este exame de monitorar o sono?

Este exame é a polissonografia, monitoramento de muitas funções, enquanto a pessoa dorme, para diagnosticar e quantificar possíveis transtornos do sono. Estabelecido o grau de severidade do transtorno e determinadas as conseqüências, são definidos tratamentos. É avaliado o eletrocardiograma, o eletroencefalograma, o movimento dos olhos, do queixo e os movimentos durante o sono através de sistema de vídeo, além de outras funções. Há também a pupilografia, que mede a sonolência no indivíduo através da medida da variação do tamanho da pupila no escuro. Dura seis minutos e é muito promissor para avaliar as condições de sono de motoristas e trabalhadores em condição de maior risco de acidentes.