O Conselho Nacional de Trânsito (Contran) aprovou e publica nos próximos dias resolução que obrigará 10,1 milhões de brasileiros a fazer exames de distúrbios do sono para continuar dirigindo. A regra vale para motoristas profissionais, com carteiras dos tipos C (caminhões pequenos), D (vans e peruas) e E (ônibus e caminhões de grande porte). Eles serão submetidos aos testes ao renovar a habilitação, a cada cinco ou três anos, adicionar ou mudar de categoria.
A assessoria jurídica do Ministério das Cidades faz ajustes no texto, que entra em vigor a partir da divulgação no Diário Oficial da União (DOU). Mas os especialistas criticam a forma como o sistema será implantado, pois o país não está estruturado para detectar e tratar a sonolência.
A nova resolução foi preparada pela Câmara Temática de Saúde e Meio Ambiente – órgão que presta assessoria técnica ao Contran – e deve afetar 805,9 mil pessoas em Minas. De acordo com minuta do documento, já publicada pelo governo, o motorista terá que responder a questionários nas clínicas credenciadas pelos departamentos estaduais de trânsito (Detrans) e passar por avaliação clínica. Além de pesquisar hábitos do paciente, como cochilar no sinal e ao assistir a TV, o médico vai procurar evidências físicas dos distúrbios. Elas incluem obesidade, hipertensão, pescoço largo, estreitamento da base da língua e da garganta, entre outros. Caso sejam constatados dois ou mais indícios, o paciente será encaminhado a um especialista e só poderá reaver a carteira se os problemas do sono não se confirmarem. Caberá a ele fazer uma polissonografia, exame que consiste em dormir em uma clínica especializada, monitorado por eletrodos.
O médico Dirceu Valadares, da Fundação Nacional do Sono (FUNDASONO), diz que o governo criará a exigência, mas o cidadão não poderá bater à porta de rede pública se quiser cumpri-la. “O Sistema Único de Saúde (SUS) não oferece o teste em Minas, tampouco tratamento para os doentes”, afirma, acrescentando que, nas clínicas particulares, o custo varia de R$ 600 a R$ 900.
Ele alerta que a resolução criará uma demanda imensa no país, até porque os testes aprovados pelo Contran não fazem uma boa triagem dos motoristas. “Há pouco mais de um ano, encaminhamos uma sugestão para que fosse feita a pupilografia, exame que mede a variação do tamanho das pupilas no escuro e é mais capaz de indicar distúrbios. O custo é relativamente baixo – R$ 40 –, mas não tivemos nenhuma resposta”, lamenta.
O secretário-executivo da Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet), Alberto Sabbag, diz que uma política de combate aos distúrbios do sono é fundamental, mas não pode ser implantada sem que o país esteja preparado. Pesquisas internacionais estimam que de 20% a 30% dos acidentes ocorrem porque o motorista cochilou ao volante. No Brasil, faltam estatísticas oficiais, mas alguns dados dão a dimensão do problema. Segundo a FUNDASONO, 35% dos condutores têm sonolência excessiva. Nas grandes cidades, 10% da população sofrem de insônia crônica. Além disso, entre 5 e 8 milhões de pessoas têm apnéia, a dificuldade de respirar que causa ronco, prejudica o descanso e a qualidade de vida.
Sabbag critica os critérios da resolução, que excluiu motoristas de carros particulares e motociclistas, também sujeitos aos distúrbios. E alega que ainda não há resposta para algumas situações previsíveis. O resultado de uma polissonografia pode demorar meses e, nesse meio tempo, o profissional não poderá dirigir, o que prejudicaria o seu trabalho. Se o resultado for positivo, cabe o afastamento da função durante o tratamento. “Mas, em muitos casos, os distúrbios não justificam o benefício no Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). A Previdência terá que dizer o quê fazer com essas pessoas”, alega.
Resolução
Procurado quinta-feira, o Contran informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que não havia fonte disponível para falar sobre o assunto. Alegou apenas que os motoristas profissionais foram escolhidos porque ficam mais tempo ao volante e o acometimento por problemas do sono é mais comum. O Detran-MG só vai se manifestar depois de publicada a resolução. Em BH, as clínicas ainda não receberam ordem para aumentar o preço dos exames (R$ 113).
Há 22 anos no comando de carretas e ônibus, Vanderci Brandão de Assis, de 43 anos, vê com bons olhos as mudanças: “Nunca fiz um exame assim. Se for para a saúde do motorista e segurança de todos, vale a pena”. Mas afirma que as regras só vão funcionar se houver maior controle sobre os empresários do setor de transporte. Nos seus tempos de carreteiro, entre 1986 e 2003, passava até 24 horas dirigindo e descansava apenas 40 minutos. “Tomava o remédio que tivesse, pois o que conta para o patrão é produtividade”, conta, referindo-se às perigosas anfetaminas, que turbinam os profissionais.
Há cinco anos, migrou para uma empresa de transporte de passageiros e diz que nem sempre é possível descansar o suficiente. “Às vezes, varo a noite na estrada e tenho que dormir em alojamentos ruins. No dia seguinte, é hora de voltar, mas ainda não relaxei o suficiente”, acrescenta.